sábado, 30 de outubro de 2010

'Sabes, um dia vou ser famoso! Vou mesmo!' (2)

'Sabes, um dia vou ser famoso! Vou mesmo!'. Marta riu-se. Há anos que ouvia o mesmo discurso, por parte do irmão. Marta tinha vinte anos, cabelo cor de ferrugem, pele pálida e a cara sarapintada de sardas em ambos os lados do seu narizinho pontiagudo. Lábios finos, mas um sorriso enorme. Parecia uma boneca de pano. Já o seu irmão era exactamente o oposto. Três anos mais novo, Carlos era de pele morena, cabelo bem negro e redondos olhos verdes. Com quase um metro e oitenta, era uns quinze centímetros mais alto que a irmã. 'Então depois não te esqueças de mim!'. Carlos engoliu o resto da sandes de frango com a ajuda de um gole de água. 'Vou tentar', retorquiu ele divertido. Ela atirou-lhe com um guardanapo amachucado, sempre sem perder o seu sorriso de orelha a orelha, e levantou-se. 'Vamos mas é embora que amanhã há que acordar cedo'.
Os dois irmãos estavam órfãos há cerca de um ano e meio (de mãe, porque o pai, ninguém sabia dele há já dezasseis anos). O único bem que possuíam era uma caravana, deixada pela mãe, que estava aparcada num descampado, onde ambos moravam. Apesar dos sorrisos sempre estampados no rosto, levavam uma vida incerta e insegura. Sobreviviam através do dinheiro que ganhavam em trabalhos ocasionais e com as animações que faziam na rua. Marta era um prodígio musical: tocava guitarra e piano e a sua potente voz fazia parar multidões. Era difícil acreditar que uma pessoa tão pequena cantasse assim. Já Carlos dominava as artes circenses: fazia número espectaculares com fogo e no malabarismo ninguém o superava.
Chegados à caravana, adormeceram quase imediatamente, de tão cansados que estavam. Nessa noite, Carlos sonhou consigo a actuar, num grande circo, a ser aplaudido por centenas, milhares de pessoas! (continua...)

Fotografia: RobertoTerra

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